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Nuvem carregada sobre a rodovia Dom Pedro I, em Campinas: maior frequência de dias consecutivos de calor favorece eventos climáticos extremos

Estudo conduzido por pesquisadores da Unicamp mostra que a cidade de Campinas registrou aumento de 1,2 ºC na média das temperaturas máximas no período entre 1989 e 2022, evidenciando que a região já está sob efeito do aquecimento global provocado pelas mudanças climáticas. Realizado por doutorandos do Instituto de Biologia (IB) e do Instituto de Geociências (IG), como parte da disciplina “Ecologia Global e Mudanças Climáticas” do programa de pós-graduação em Ecologia, o trabalho analisou dados de 34 anos da série histórica diária de temperaturas do município de Campinas.

Coletados na estação do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), no campus da Unicamp em Barão Geraldo, os dados mostram aumento na média da temperatura máxima e redução na média da temperatura mínima. Mostram, ainda, aumento na amplitude térmica e maior frequência de dias consecutivos de calor, fenômenos que favorecem eventos climáticos extremos, como seca severa, enchentes ou temporais.

O último relatório elaborado, em 2022, pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) – que monitora dados desde 1850 – aponta um aquecimento global de aproximadamente 1,1 ºC. O valor apresentado no relatório, contudo, não pode ser comparado ao obtido pelo levantamento feito na Unicamp, já que o IPCC faz sua análise com base nas temperaturas médias e não nas máximas.

Bruna Hornink (à esquerda) e Ana Ávila (à direita): levantamento revela tendência de aumento crescente do aquecimento
Bruna Hornink (à esquerda) e Ana Ávila (à direita): levantamento revela tendência de aumento crescente do aquecimento

A média

O estudo revela que a média das temperaturas máximas registradas em Campinas, nesse período de 34 anos, foi de 28,4 ºC e aponta uma tendência de aumento crescente do aquecimento ao longo dos anos. Foi considerada, como referência, a média de temperatura registrada entre 1989 e 2003 para avaliar anomalias. Nesse período, a média da máxima foi de 28,05 ºC. Já no período seguinte – de 2004 a 2022 –, essa média subiu para 28,65 ºC. No recorte que leva em conta os dados por decênios, o fenômeno do aquecimento fica ainda mais claro. Na década de 1990, a média de temperaturas máximas foi de 27,9 ºC. Na de 2000, esse índice subiu para 28,3 ºC. Já na década de 2010, chegou a 29,0 ºC.

Os pesquisadores verificaram, ainda, que a média das temperaturas máximas nos meses de verão subiu em 1,3 ºC e, nos períodos de inverno, em 1,8 ºC. Segundo o doutorando em Ecologia Rômulo Celestino, houve aumento de 0,039 ºC por ano na média das temperaturas máximas no período de verão e de 0,048 ºC na média das máximas durante o inverno.

“Tivemos temporadas de frio mais extremo, como o outono de 2006, com redução de aproximadamente 1,7 ºC. Isso significa que esse período foi 1,7 ºC mais frio que a média do outono entre 1989 e 2003, que foi de 15 ºC”, revela a doutoranda em Biologia Vegetal do IB Bruna Hornink, que lembrou também do verão de 2004, quando houve uma redução de 1,98 ºC. “O que chama a atenção é que, desde 2020, tem havido redução de 0,2 a 1,0 ºC na temperatura mínima em grande parte das estações do ano”, acrescenta ela. A queda nas temperaturas mínimas no período 2020-2022 é explicada pela ocorrência, nesses três anos, do fenômeno La Niña, no qual há resfriamento abaixo da média na temperatura das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial, trazendo temperaturas mais amenas para a região sudeste do Brasil.

O trabalho mostra também que as ocorrências de dias de calor aumentaram de forma acelerada a partir dos anos 2000. Essas ondas são caracterizadas por períodos de seis ou mais dias consecutivos de temperaturas altas. Os pesquisadores constataram que, até 2001, não haviam sido identificados períodos de altas com essa duração. A partir de 2002, no entanto, tais episódios tornaram-se frequentes. A primeira onda preocupante surgiu ainda em 2002, com 16 eventos. Foram 96 dias do ano com temperaturas máximas acima da média das máximas. Nos anos seguintes, houve registro de uma pequena queda, mas as temperaturas voltaram a aumentar significativamente a partir de 2010, quando foram registrados 13 desses episódios, somando 78 dias no ano. Dois anos depois, em 2012, foram 17 períodos de seis ou mais dias consecutivos com temperaturas máximas elevadas, totalizando 102 dias. O recorde veio em 2014, quando foram registrados nada menos que 30 desses fe- nômenos na cidade de Campinas.

“O verão de 2014 foi 2,64 ºC mais quente, se comparado com a média do verão do período de 1989-2003. O mesmo ocorreu na primavera de 2012 (+2,43 ºC) e no inverno de 2010 (+1,96 ºC)”, acrescenta Hornink. No ano de 2014, a região sudeste enfrentou uma séria crise hídrica e um pico no número de incêndios florestais. No dia 8 de outubro de 2020, a cidade registrou a temperatura máxima de 39 ºC.

Da esq. para dir., Rômulo Celestino, David Lapola e Guilherme Torres:
Da esq. para dir., Rômulo Celestino, David Lapola e Guilherme Torres: ciência está mostrando os resultados, o aumento nas temperaturas

Enfrentamento

O professor e pesquisador do Cepagri David Lapola coordenou a análise dos dados coletados pelo órgão com o objetivo de verificar se o aquecimento global já seria perceptível em Campinas. O docente acredita que o aumento seja resultado do fenômeno. “Embora tenhamos agora esse estudo preliminar, que precisa passar por escrutínio, incluindo a análise de outras variáveis, como os dados de chuvas e ventos, arrisco dizer que o aumento de temperatura observado tem a ver diretamente com as emissões de gases de efeito estufa, aquelas produzidas não somente pelo Brasil, mas por todos os países, incluindo a China e os Estados Unidos”, diz, ressaltando que a divulgação do trabalho deve servir como um “alerta”.

Doutorando do IG, o pesquisador Guilherme Torres destaca a correlação entre a mudança climática global e o fenômeno do aumento do calor verificado pelos dados do Cepagri, algo que pode se agravar por conta do processo acelerado de industrialização e expansão urbana verificados na região. A meteorologista do Cepagri Ana Ávila diz que o estudo dos pesquisadores da Unicamp corrobora resultados de outras pesquisas, realizadas em outras séries temporais do Estado, e que também têm mostrado a tendência de aumento das temperaturas médias.

Para Ávila, a adoção de medidas de adaptação não pode demorar. “Essa é uma questão urgente. A ciência está mostrando os resultados, o aumento nas temperaturas, e o verão mostrou a questão das chuvas fortes e frequentes”, adverte a pesquisadora. Lapola complementa dizendo que as cidades vão precisar de um plano eficaz para o enfrentar as mudanças climáticas. “É preciso que as cidades adotem ações a fim de minimizar os efeitos do aquecimento”, afirma, citando como exemplos os esforços de arborização para reduzir a temperatura nas ruas, a recuperação dos e o cuidado com os recursos hídricos, e a execução de obras urbanas para limitar os efeitos danosos de eventos climáticos extremos.

Texto publicado originalmente no Portal da Unicamp

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