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Experimento em laboratório da Unicamp: de acordo com documento elaborado pela Capes, pandemia e fatores estruturais ajudam a explicar a crise nos programas de pós-graduação
Experimento em laboratório da Unicamp: de acordo com documento elaborado pela Capes, pandemia e fatores estruturais ajudam a explicar a crise nos programas de pós-graduação

Com uma história de mais de sete décadas, o sistema de pós-graduação no Brasil experimenta uma crise. Uma crise, segundo especialistas, grave – e causada, ao menos em parte, pelo crescente desinteresse dos recém-graduados. Dados retirados da proposta de Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2024/2028, elaborada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mostram que, em 20 das 49 áreas do conhecimento, ao menos 25% dos cursos de mestrado tiveram uma procura menor do que a oferta de vagas. No doutorado, 31 áreas apresentaram ao menos 25% de seus cursos com viés de queda e, em 12 dessas, o percentual pode chegar a mais de 30%.

Marco regulatório da pós, a Plataforma Sucupira registrou, no ano de 2020, um índice de 21% de vagas ocio- sas no mestrado e de 25% no doutorado. Do ano de 2021 para 2022, ocorreu uma redução de 11% no número geral de ingressantes. E já havia registro de uma queda de 10% no período imediatamente anterior – entre 2019 e 2020. Nesse mesmo período (19/20), a redução chegou a 20% no mestrado profissional.

De acordo com os dados do PNPG, o problema aparece de forma mais severa em áreas como a das engenharias, em que houve uma queda de cerca de 28% na quantidade de novos pós-graduandos. Em 2015, o número de ingressantes foi de 12.551. Já em 2022, esse número caiu para 9.090. A maior cifra de novos inscritos na área foi registrada em 2017, quando houve 14.196 ingressantes.

Nas ciências agrárias, a diminuição no número de ingressantes foi de 23% e nas biológicas, de 14%. Na área das ciências exatas e da terra, a queda chegou a 12%, segundo o levantamento. Os números indicam, ainda, que todas essas áreas registraram um viés de queda em 2018 – antes, portanto, do advento da pandemia de covid-19, que, segundo o estudo, representou um fator de agravamento severo do problema.

O PNPG lembra que, a esse cenário soma-se a evasão. Observado por um período de até quatro anos, a partir de 2013, o mestrado acadêmico das engenharias apresentou uma evasão de 23%. Já no mestrado profissional, os evadidos somaram 26% no mesmo período. No doutorado, também nas engenharias, 21% dos ingressantes no ano de 2013 abandonaram seus cursos, em até cinco anos de observação. “É possível que esse percentual seja maior com anos adicionais de observação”, assinala o documento.

João Romano: a pós-graduação precisa se tornar mais atrativa
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Títulos

A quantidade de títulos concedidos na pós-graduação stricto sensu no Brasil, segundo o PNPG, aumentou 48% no período de 2011 a 2022. Porém, nos últimos anos, essa cifra também apresentou tendência de queda. O número de títulos saiu de 55.554 em 2011 e chegou a 94.503 em 2019. Desde então, no entanto, os números ficaram abaixo disso. Em 2022, foram 82.367 títulos concedidos.

Em um efeito cascata, a proporção de mestres e doutores no Brasil também caiu. Em 2022, o país contabilizava um estoque de 0,7% das pessoas de 25 a 64 anos com mestrado, contra uma média de 14,1% dos países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade de 38 países voltada ao debate sobre questões econômicas, do meio ambiente e da educação.Em 2019, o Brasil apresentava uma taxa de 35 mestres titulados por grupo de 100 mil habitantes. Em 2022, a taxa já era de 29. Em nível de doutorado, a situação mostra-se semelhante. Em 2022, o Brasil apresentou uma taxa de 0,3% da população com idades entre 25 e 64 anos com essa titulação – índice quase quatro vezes menor que a média de 1,3% da OCDE. Nesse item, na OCDE, o Brasil só ficou à frente do México, que registrou 0,1%.

Rachel Meneguello: “Nós precisamos saber até que ponto os nossos programas estão, de fato, cumprindo sua missão”
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Causas

De acordo com o PNPG, a explicação mais evidente para o fenômeno de interrupção do ciclo virtuoso de crescimento do número de ingressantes e titulados na pós-graduação é a pandemia e as consequências sociais e econômicas que essa crise produziu. Na avaliação do órgão, a suspensão de atividades presenciais retardou o ingresso de novos estudantes, além de afetar o andamento de pesquisas em curso, em especial aquelas que dependiam de experimentos presenciais de campo e em laboratórios.

Contudo, o documento sugere haver mais de uma causa para o problema. O PNPG reconhece que outros fatores estruturais relacionados à economia e à atratividade dos programas de pós-graduação ajudam a explicar a crise. A avaliação cita, por exemplo, a saturação de alguns programas, a distribuição desigual do acesso à pós entre as regiões do país, os processos seletivos orientados para perfis muito específicos, a inadequação do perfil do candidato a programas disponíveis e a baixa atratividade da oferta e da carreira científica.

Um outro aspecto apontado no estudo é a desigualdade de gênero, marcada pela segregação por áreas do conhecimento. O PNPG revela que, embora as mulheres sejam a maioria entre os titulados no mestrado desde 2000 e no doutorado desde 2003, há uma menor participação desse segmento entre os titulados no doutorado nas engenharias (33%) e nas ciências exatas e da terra (36%).

Por outro lado, há uma alta presença feminina entre os titulados no douto- rado nas ciências da saúde (62%) e linguística, letras e artes (65%). Isso quer dizer que as mulheres mantêm uma alta participação em áreas associadas ao “cuidado” e permanecem distantes das áreas mais associadas à tecnologia e inovação. Por conta disso, o plano propõe estimular a participação das mulheres nos cursos de pós-graduação stricto sensu, em particular aqueles ligados às áreas de Engenharia, Matemática, Física, Química, Informática etc. Há, ainda, uma falta de prosseguimento na carreira. Mesmo as mulheres sendo, em 2016, mais da metade dos novos alunos da pós-graduação (54%), a proporção delas entre os formados na graduação foi de 61%, indicando que, proporcionalmente, menos mulheres iniciam um mestrado e ou um doutorado do que homens.

Por conta desse aspecto multifatorial do problema, a pró-reitora de Pós-Graduação da Unicamp, professora Rachel Meneguello – que integrou a equipe responsável por formular a versão preliminar do PNPG –, faz uma ponderação: o quadro revela-se suficientemente preocupante para levar a academia, as instâncias governamentais e as lideranças ligadas à área de educação a refletirem sobre o que vem dando errado. “Nós precisamos saber até que ponto os nossos programas estão, de fato, cumprindo sua missão”, diz a pró-reitora. “Será que estão acompanhando as mudanças da sociedade contemporânea? Será que estão acompanhando as mudanças do conhecimento científico?”, questiona. “Precisamos entender o que está ocorrendo para que os jovens não se afastem dessa maneira.”

O fator econômico e a reestruturação do mercado de trabalho, sobretudo devido ao impacto das inovações tecnológicas, diz Meneguello, são complicadores importantes. “Temos situações no Brasil em algumas áreas nas quais estagiários do terceiro, quarto ano de graduação recebem uma remuneração três ou quatro vezes maior que o valor da bolsa de mestrado. Portanto, por que um estudante vai abrir mão dessa remuneração para fazer uma pós?”, questiona.

Além do fator econômico, a pró-reito-ra levanta outras hipóteses. “Precisamos entender se o que os estudantes estão aprendendo na graduação é aquilo de que o mercado está precisando”, afirma. “O governo está ensaiando a retomada do programa de reindustrialização do país, mas será que nós estamos preparando um profissional para ser inserido em um cenário de industrialização do século passado ou na industrialização de que precisamos no século 21? Estamos acompanhando as inovações necessárias em nossos programas de pós?”, pergunta. “É claro que o país necessita de mestres e doutores e que precisamos qualificar a nossa força de trabalho e os recursos humanos. Essas são condições inquestionáveis para o desenvolvimento econômico e social. No entanto, precisamos dialogar mais com a sociedade e com o setor pro- dutivo, em todas as áreas”, adverte.

Meneguello lembrou um dado cons- tante da Plataforma Sucupira: em 2020, o número de patentes registradas pro- duzidas pelos programas de pós no país chegou a 4.445, o maior número desde 2013. Dois anos depois, essa cifra caiu para 2.515, revelando deficiências que, se por um lado resultam em parte do perí- odo da pandemia, por outro, impactam a competitividade do país.

O pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, professor João Romano, disse que a carreira de um aluno pode prosseguir na academia, mas advertiu que isso deve ser apenas uma das possibilidades de quem faz pós-graduação, não a única. Por conta desse quadro, Romano defendeu uma maior inserção dos alunos formados em empresas, públicas ou privadas. “Se nenhum dos pós-graduandos for para a academia, a ciência míngua. Por outro lado, se todos estiverem, de alguma forma, predestinados a irem para a academia e simplesmente forem aceitos em concursos, também teremos um cenário ruim. O sistema não funciona assim.” Romano diz que é preciso encontrar maneiras de tornar a pós-graduação mais atrativa e a carreira depois da pós-graduação, mais diversificada. Só assim, afirma, haverá uma maior penetração da academia na sociedade.

Ricardo Galvão: discurso negacionista do bolsonarismo teve peso
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Salto

Membro da diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o professor Sylvio Canuto afirma que, ao longo dos últimos 70 anos, a ciência brasileira tem demonstrado vigor, possuindo estrutura para dar um salto de qualidade. Segundo o professor, o enfrentamento da covid-19, por exemplo, traduziu-se em um exemplo de solidez para esse setor. Canuto lembra que a pandemia im- pôs “grandes desafios” e que a ciência brasileira respondeu prontamente, em especial por conta da contribuição da universidade pública. Ele reconheceu, no entanto, que nos últimos anos houve uma queda de rendimento na produção científica e que as causas disso precisam ser identificadas.

Entre as ações a serem tomadas, disse, está a reformulação da graduação. Ele defende ainda uma ampliação no número de bolsas e o estabelecimento de projetos multidisciplinares. Canuto pede também que haja uma maior interação da academia com a indústria e com outros setores da sociedade. E, por fim, faz um questionamento: “Será que a universidade comporta o número de doutores formados todos os anos?”.

A presidente da Associação Brasileira de Ciências (ABC), professora Helena Nader, diz que a universidade precisa refletir sobre sua missão. “A universidade não se renova há muitos anos. E não se trata de adotar ou não ações afirmativas. O curso oferecido hoje é o mesmo do século 19, não é nem do século 20, vejam só. Então, como é que eu vou querer interdisciplinaridade? Não há flexibilidade para isso na universidade brasileira”, critica ela.

Sylvio Canuto: defendendo maior interação entre academia e indústria
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CNPq

O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor Ricardo Galvão, lembrou que, por volta de 2018, o país estava formando cerca de 24 mil doutores por ano, mas que o fenômeno sofreu um forte refluxo depois disso, por conta de uma série de fatores. “Houve o efeito da pandemia, sem dúvida. No entanto, a falta de apoio para a ciência e tecnologia também foi drástica nesse período. Na verdade, o corte de recursos começou antes mesmo do governo [Jair] Bolsonaro. No final do governo Dilma [Rousseff] e durante o governo [Michel] Temer, os recursos para a ciência e tecnologia foram caindo sistematicamente. A diferença é que, pelo menos no caso destes dois últimos, não havia um discurso contra a ciência”, disse.

“Infelizmente, durante o governo Bolsonaro – e todos nós sabemos disso –, houve um discurso negacionista contra a ciência. E isso atrapalhou muito. Os jovens ficaram sem uma perspectiva de futuro. Será que eu vou investir cinco, seis anos da minha vida em uma atividade sem perspectiva nenhuma? Ou seja: o governo Bolsonaro, além de reduzir recursos, destruiu uma perspectiva positiva do trabalho na ciência”, afirmou o presidente do CNPq.

Galvão diz que a retomada passa pelo envio de mensagens positivas, algo que começou já no período da transição de governo – processo do qual participou. Segundo o professor, a primeira medida do atual governo foi aumentar o valor das bolsas, sem reajuste desde 2013.

O presidente do CNPq disse ainda que, neste ano, haverá Rk 10,4 bilhões de recursos disponíveis para a ciência e tecnologia. Segundo o dirigente, desse total, metade cobrirá recursos não reembolsáveis – os laboratórios, por exemplo. A outra metade, diz Galvão, será destinada a empresas para que realizem pesquisas e invistam em ciência, tecnologia e inovação. “O setor de ciência e tecnologia do país não vai crescer se tivermos atividades de pesquisa apenas nas universidades e nos institutos. É necessário que a empresa brasileira tenha laboratórios de pesquisa, que desenvolva novos produtos, senão estaremos sempre a reboque dos outros”, afirmou.

Para Galvão, também é preciso que a academia prepare doutores para atuarem no chamado “setor produtivo”. “O Brasil tem cerca de 350 mil professores que fazem pesquisa. Cerca de 10 mil deles se aposentam todo ano, mas nós estamos formando 22 mil doutores. Para onde vão os que não ficam nas universidades?”, pergunta, mencionando o exemplo da China. O país asiático, diz, montou um sistema eficiente de formação de mestres e doutores pelas universidades que visa atender quase que exclusivamente as necessidades do setor produtivo.

Segundo Galvão, entre as mensagens positivas que o governo pretende enviar está uma ação do CNPq que mantém o programa Bolsa de Produtividade em Pesquisa – responsável por, hoje, beneficiar perto de 17 mil pesquisadores. “Até esta nossa gestão, cerca de 9 mil deles não tinham o que chamamos de adicional de bancada, que são recursos para serem usados em laboratório ou pesquisa em campo, por exemplo. Fizemos um grande esforço no CNPq para oferecer esses recursos e, imediatamente, esses pesquisadores passaram a ter esse adicional. Isso é uma notícia alentadora para o sistema científico nacional”, acredita.

O presidente do CNPq vê o futuro próximo com otimismo. “A pesquisa científica não é algo que mude de um dia para o outro. Demora. Contudo, quere- mos recuperar em, no máximo três anos, o nível da ciência brasileira que tínha- mos até 2014”, promete.

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Matéria publicada originalmente no Jornal da Unicamp.

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