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Amostra de sangue para hemograma: novas tecnologias podem revolucionar análises clínicas
Amostra de sangue para hemograma: novas tecnologias podem revolucionar análises clínicas

A biomédica Ana Carolina Borges Monteiro achou inicialmente que sua ideia era “maluca”, ainda que lhe parecesse um percurso natural aplicar a informática na medicina. A fim de atestar sua proposição científica, ela enviou artigos para congressos internacionais e teve ótima receptividade. “Ou seja, minha ideia não era tão maluca”, diz a pesquisadora. “Quando você manda um artigo científico para congressos, ele passa pela revisão por pares de diferentes países do mundo.” Encorajada, Monteiro desenvolveu, em sua tese de doutorado, um hemograma digital capaz de fazer a contagem de hemácias, leucócitos e plaquetas em apenas 5 segundos, a partir do processamento digital de imagens e do uso de inteligência artificial.

Orientada pelo professor Yuzo Iano, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec), a pesquisadora defendeu a tese “Proposta de novas metodologias de análise de células sanguíneas por meio dos métodos BSCM (Blood Smear Computational Method) e BSIM (Blood Smear Intelligence Method)”. O objetivo da biomédica, desde a sua graduação e da sua primeira iniciação científica, sempre foi aplicar a informática médica de baixo custo na saúde pública.

No mestrado, também sob orientação de Iano, Monteiro conseguiu fazer o reconhecimento de dois tipos de células: as hemácias e os leucócitos. No doutorado, avançou na mesma linha de pesquisa, abarcando o reconhecimento das plaquetas com o uso de novas tecnologias. O hemograma digital, em fase final, terá custo e tempo reduzidos sem perda de qualidade ou de confiabilidade, com a vantagem de poder ser realizado em comunidades remotas nas quais o profissional da saúde consegue utilizar somente um aparelho celular ou um notebook.

“É muito mais fácil eu atravessar um rio com um notebook ou com um celular dentro do bolso do que com um equipamento que pesa 10 quilos para fazer exames em uma população ribeirinha, quilombola ou indígena que vive em áreas distantes de hospitais, quase sempre propícias ao surgimento de doenças como a dengue. O tempo de você pegar essa pessoa e deslocar-se até um local onde há o exame é muito grande. Se você já tem um equipamento simples e compacto, que permite tirar o sangue no local, fazer uma lâmina, tirar uma foto e colocar a foto para ser submetida a um processo de reconhecimento por inteligência artificial, você vai obter um diagnóstico sem precisar do deslocamento”, explica Monteiro.

Novas tecnologias

Durante a pesquisa, para levar adiante as suas ideias, a biomédica mergulhou no estudo da computação. “Eu tinha esse desafio. Peguei os livros do meu marido, que é engenheiro da computação, e tive aulas com ele sobre processamento digital de imagens e toda a parte de engenharia”, lembra a pesquisadora. “Precisei adquirir novos conhecimentos para resolver os problemas que eu via na área da saúde.”

Só na metade do doutorado, a pesquisadora começou a incorporar os recursos da inteligência artificial. “Vulgarmente falando, eu tive que surfar nessa onda. Estudei a linguagem Python e, assim, desenvolvi nosso primeiro código de inteligência artificial. Além disso, encontrei um banco de dados open source com 12.500 imagens de quatro tipos de leucócitos: neutrófilos, eosinófilos, monócitos, linfócitos.”

Uma das dificuldades enfrentadas surgiu na padronização das imagens, algo inexistente nos bancos de dados. “Essas imagens têm que estar bem padronizadas na questão de luminosidade e de nitidez para que o profissional da saúde consiga identificar as morfologias celulares. Por isso criei um sistema de padronização, para depois entrar com a parte da engenharia, do processamento digital de imagens e da inteligência artificial. Esse foi um trabalho dentro de outro trabalho”, explica.

O código classifica e enumera as células em menos de 5 segundos. Quando a imagem é inserida, é feita a contagem automática das células e o reconhecimento de três tipos: hemácias, leucócitos e plaquetas. Monteiro trabalhou com dez imagens (adequadas aos critérios e padrões médicos) e conseguiu 100% de acurácia. “Esse é um número pequeno, mas aqui estamos falando de uma pesquisa científica.” O maior desafio, diz a biomédica, deu-se na identificação das plaquetas, porque elas são células muito pequenas, “como um pontinho roxo”. “Aqui a acurácia foi de 90%, mantendo-se muito alta”, diz Monteiro.

A biomédica Ana Carolina Borges Monteiro, autora da pesquisa: em busca de parcerias
A biomédica Ana Carolina Borges Monteiro, autora da pesquisa: em busca de parcerias

Diagnóstico na mão

O hemograma permite que o profissional de saúde identifique a patologia de acordo com a tipificação celular. Mesmo se não for possível realizar um diagnóstico preciso, o procedimento ao menos sinaliza a presença de uma possível doença. A avaliação das plaquetas, por exemplo, pode ajudar no diagnóstico de casos de dengue. Quando o número delas cai abruptamente, a pessoa pode ter uma hemorragia e, em consequência, morrer. Se um hemograma rápido identifica uma queda no número de plaquetas, é possível enviar prontamente o paciente a um lugar equipado para lidar com o caso. “Às vezes, o tempo de resposta define a evolução da doença, a chance de tratamento e a cura.”

Pelo número de leucócitos, pode-se detectar alergias ou infecções de causa bacteriana, viral e parasitológica. Tudo vai depender do tipo de leucócito cuja contagem está aumentada. Pela quantidade de hemácias, é possível confirmar se o paciente tem ou não anemia. Pelo método desenvolvido, portanto, consegue-se detectar uma vasta gama de doenças.

Tecnologia e política

A pesquisa de Monteiro pode ser adaptada para outras áreas que não à relativa ao sangue, como exames de urina, parasitologia e exames bioquímicos, aposta a cientista. “Acredito que o processamento digital de imagens e a inteligência artificial podem contribuir para revolucionar toda essa área de análises clínicas.”

A pesquisadora cursou Biomedicina na Unifia (Centro Universitário Amparense), na qual entrou em 2012, pelo Programa Universidade para Todos (Prouni). Hoje Monteiro é também habilitada em Informática de Saúde pelo Conselho Regional de Biomedicina. Na graduação, quando fez estágio no hospital municipal de Itapira (SP), sua primeira inquietação girou em torno do alto custo dos procedimentos e do tamanho dos equipamentos utilizados. “Eu percebia a tecnologia como uma grande aliada da área médica, mas a tecnologia de ponta tem um alto custo. E temos que pensar na realidade do país. Existem bons equipamentos hospitalares, mas a existência de tais equipamentos em hospitais depende muito de política e de verbas públicas”, analisa Monteiro.

“Gosto de pensar que estou contribuindo de alguma forma com a sociedade porque a ciência existe para beneficiá-la. Isso, para mim, é um sonho”, conclui a pesquisadora. Monteiro espera, agora, que sua pesquisa tenha continuidade por meio de parcerias e que possa ser colocada à disposição da população. “Quem sabe pelo SUS [Sistema Único de Saúde].”

Matéria publicada originalmente no Jornal da Unicamp.

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