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Extrato de semente de maracujá enriquece protetores solares

Pesquisa conduzida no Instituto de Química resulta em patente de método para extração de piceatanol por micro-ondas

O creme-base (à esq.) e com a adição do extrato de semente de maracujá (à dir.): potencial para ampliar as funções de fotoproteção
O creme-base (à esq.) e com a adição do extrato de semente de maracujá (à dir.): potencial para ampliar as funções de fotoproteção

O Brasil é o maior produtor de maracujá do mundo na atualidade. Segundo números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, foram produzidas 697.859 toneladas da fruta, com rendimento de Rk 1,9 bilhão. Além da comercialização in natura, a fruta tem sua polpa utilizada na produção de sucos, alimentos e cosméticos. Essa versatilidade estimula diversas pesquisas, que buscam, por meio da análise de seus componentes, ampliar os usos do maracujá. O Jornal da Unicamp já noticiou, na edição 699, que uma pesquisa da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) havia descoberto no piceatanol, composto presente nas sementes da fruta, propriedades que podem retardar o desenvolvimento do câncer de próstata.

Agora, uma nova pesquisa, realizada no Instituto de Química (IQ), verificou que o mesmo piceatanol, se adicionado a protetores solares, possui potencial para ampliar as funções de fotoproteção e de regeneração da pele. O estudo também analisou o quanto o composto é capaz de penetrar em estruturas de um modelo sintético de pele quando combinado com o espilantol, composto derivado do jambu e amplamente utilizado pela indústria cosmética. A pesquisa de doutorado tem autoria de Gisláine Corrêa Silva, com orientação de Carla Bottoli, professora do IQ e coordenadora do Laboratório de Pesquisas em Cromatografia Líquida (Novacrom), e co-orientação de Rodney Rodrigues, pesquisador do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.

Os filtros solares são compostos adicionados a cremes e outras formulações com a função principal de atuarem como escudos contra a radiação ultravioleta do Sol. São divididos em duas categorias principais: os filtros inorgânicos, ou físicos, que refletem a radiação de volta para o ambiente, e os orgânicos, ou químicos, que absorvem os raios e devolvem sua energia ao ambiente na forma de calor, impedindo danos às células da pele. Ainda que aperfeiçoados constantemente pela indústria, nenhum produto consegue bloquear 100% da radiação. Por isso, é comum que esses produtos sejam enriquecidos com compostos bioativos, de ação antioxidante e regenerativa das estruturas da pele.

“Uma vez que a radiação ultravioleta atinja as camadas mais profundas da pele, eventos inflamatórios, de estresse oxidativo e de degradação de estruturas e compostos naturais da pele passam a acontecer”, explica a autora da pesquisa, ressaltando que esse quadro favorece desde o envelhecimento precoce da pele até o surgimento de cânceres. “Assim, ao combatermos esses eventos, conseguimos mitigar o problema.”

Gisláine Corrêa Silva, autora da pesquisa: incorporando elementos naturais às formulações cosméticas
Gisláine Corrêa Silva, autora da pesquisa: incorporando elementos naturais às formulações cosméticas

Silva observa que estudos anteriores, realizados por meio de culturas de células, já apontaram benefícios das propriedades fotoprotetoras e antioxidantes do piceatanol para a pele. “O composto possui uma certa capacidade de absorção da radiação ultravioleta, mas é instável para atuar como filtro solar. No entanto, as atividades antioxidantes e protetoras do colágeno fazem dele um potencial ativo de origem natural para fotoprotetores”, afirma a pesquisadora, ressaltando que a sua eficácia depende da penetração nas camadas mais profundas da pele, processo conhecido como permeação cutânea. A pesquisa buscou averiguar se o piceatanol possui a capacidade de atingir a derme a partir de uma formulação com filtros solares orgânicos ou inorgânicos. O trabalho também avaliou como seria sua interação com o espilantol, que promove essa permeação.

A primeira etapa do trabalho concentrou-se na avaliação da melhor técnica de extração do piceatanol das sementes do maracujá. “Há vários métodos de extração por técnicas clássicas e modernas, mas ainda havia uma lacuna na literatura em relação à extração assistida por micro-ondas”, explica a pesquisadora. Em comparação 

com um método tradicional, a técnica por micro-ondas permitiu a ação sobre as moléculas de forma mais seletiva e em menor tempo de processamento. O resultado foi um extrato em pó, com aparência mais atraente quando se trata de produtos cosméticos e com maior concentração de piceatanol. Essa técnica de extração do piceatanol rendeu aos pesquisadores uma patente, abrindo portas para que outras empresas utilizem a inovação.

Após a obtenção do extrato, sua eficácia foi analisada quanto à estabilidade em três formulações: um creme-base, outro com filtros solares inorgânicos e um terceiro com filtros orgânicos. Essa análise também foi feita com o espilantol. Os resultados demonstram uma incompatibilidade do produto com os filtros inorgânicos. Para avaliar a sua capacidade de permeação, os pesquisadores utilizaram uma membrana sintética como modelo de pele e concluíram que o composto pode atingir a derme, local onde o estímulo do colágeno ocorre. Quando combinado com o espilantol e com os filtros orgânicos, há uma potencialização do efeito dessa substância. “Nossa avaliação permitiu mostrar que a permeação do piceatanol é mais favorecida em bases de formulações mais oleosas”, conclui a pesquisadora.

A orientadora Carla Bottoli, professora do IQ: resíduos para agregar valores abrem caminhos para novos estudos
A orientadora Carla Bottoli, professora do IQ: resíduos para agregar valores abrem caminhos para novos estudos (Foto: Divulgação)

Na cadeia produtiva

O estudo conduzido por Silva abre um novo caminho para a incorporação de elementos naturais às formulações cosméticas, agregando mais valor aos produtos. “Esse trabalho confirma a importância do piceatanol. A molécula tem mostrado propriedades em vários aspectos, o que revela não só a possibilidade do uso de resíduos para agregar valor como vias para novos estudos”, analisa Bottoli. Segundo a docente, essa foi a primeira pesquisa executada no Novacrom envolvendo a cosmetologia. “Tratou-se de um trabalho de equipe. Cada um com sua expertise, juntos, delineamos esse projeto.”

Pesquisador com experiência no trabalho com compostos naturais, Rodrigues comenta que há uma tendência nas indústrias médico-farmacêutica, cosmética e alimentícia de aproveitar coisas muitas vezes descartadas, geralmente por seu baixo valor nutricional ou sua composição. “Não que as sementes do maracujá não sejam utilizadas, mas muitas vezes são empregadas em usos menos nobres, como componente esfoliante em sabonetes”, afirma. Os pesquisadores acreditam que, graças ao piceatanol, o extrato das sementes pode ser uma nova fonte de renda na cadeia produtiva da fruta. “Muitos pequenos produtores poderiam se beneficiar de um extrato obtido de um resíduo que é descartado”, destaca Silva.

O coorientador Rodney Rodrigues: indústrias têm aproveitado materiais antes descartados
O coorientador Rodney Rodrigues: indústrias têm aproveitado materiais antes descartados
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