Um novo método para a caracterização química de meteoritos metálicos desenvolvido no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp mostrou-se mais rápido e mais barato do que outros já existentes. O novo método foi elaborado pela técnica de laboratório Margareth Sugano Navarro em seu doutorado, realizado sob orientação da docente Jacinta Enzweiler, do Departamento de Geologia e Recursos Naturais (DGRN). Com a colaboração de Alvaro Penteado Crósta – docente aposentado do IG – e de pesquisadores de outras instituições, o resultado foi publicado recentemente no periódico Earth and Space Chemistry.
Navarro explica que o procedimento visa quantificar a composição química de meteoritos metálicos, tanto dos elementos principais (ferro, níquel e cobalto) como dos elementos-traço, tais como irídio, ouro e germânio, dentre outros, presentes em pequena quantidade. “O método que desenvolvemos faz a análise química com espectrometria de massas por plasma indutivamente acoplado, mais conhecida como ICP-MS [na sigla em inglês] – principal técnica usada na análise de materiais geológicos no Laboratório de Geologia Isotópica [Lagis]”, explica a doutoranda, complementando que ao ICP-MS foi acoplado um laser que faz a ablação do material analisado, método denominado LA-ICP-MS e que permite quantificar os elementos de interesse.
As amostras de meteoritos não são homogêneas – há variações em uma escala micrométrica. No novo procedimento, foi possível elaborar mapas elementares dessa composição química por meio dos tiros de laser. “Um tiro de laser em uma área específica da amostra pode apontar concentração elevada de um determinado elemento. Já em outra área contígua da amostra, poderá apresentar outro tipo de composição”, explica a pesquisadora, detalhando que, para analisar a variação, a varredura foi feita por região e não apenas pontualmente. No trabalho publicado, a área analisada foi de 1.440 micrômetros por 3.150 micrômetros. Esse tipo de análise não pode ser feito usando-se as técnicas tradicionais. Segundo Enzweiler, o método clássico para esse tipo de análise química é a de ativação com nêutrons. Outra alternativa seria dissolver a amostra com ácidos e analisar as soluções por ICP-MS. Essas duas estratégias, porém, demandam mais tempo. Já a investigação feita por meio de LA-ICP-MS permite fazer análises muito rápidas, usando pouco material. No entanto, essa abordagem também apresenta limitações. Navarro inovou ao procurar contorná-las.
“Meteoritos são muito raros e têm grande valor para a ciência”, afirma Crósta. A Meteoritical Society mantém uma base de dados mundial com todos os meteoritos conhecidos. Nessa base, os meteoritos contam com uma caracterização. “Para ser usado em estudos, esse material precisa ser bem caracterizado tanto do ponto de vista químico como mineralógico”, complementa o professor, que solicitou a análise química de amostras de meteoritos a Navarro. O docente explica haver muitos tipos de meteoritos e que a caracterização ocorre por meio da determinação dos elementos químicos principais e dos elementos-traço, lançando mão de técnicas muito precisas de análise. “Usava-se a ativação por nêutron, que necessita que a amostra seja primeiramente irradiada em reatores nucleares, o que a deixa radioativa. Para manipulá-las, é preciso esperar o material ‘esfriar’ [deixar de emitir radiação], o que pode levar até meses. Já a técnica ICP-MS, desenvolvida mais recentemente, permite obter resultados com precisão muito próxima à da ativação com nêutrons. Assim, com esse novo procedimento analítico, faz-se possível realizar a análise de forma rápida e mais segura, sem necessidade de usar radiação. Além disso, essa técnica mostra-se pouco destrutiva e mais barata”, diz.
O procedimento desenvolvido por Navarro passou por algumas etapas de avaliação. A primeira delas, a validação dos resultados. “Foram utilizados nove meteoritos já conhecidos na literatura e já caracterizados pela técnica de ativação neutrônica. Analisei, então, essas amostras de composição já conhecida pelo nosso método para verificar se obtinha os mesmos valores”, explica a cientista. Em outra etapa, Navarro aplicou o mesmo procedimento em três meteoritos brasileiros ainda não classificados – Nova Olinda, Conceição do Tocantins e Augusto Pestana. “Para efeito de comparação, enviamos um pequeno pedaço de cada um dos três meteoritos para a Universidade de Alberta, no Canadá. Lá, as amostras foram dissolvidas com ácidos e analisadas por ICP-MS. A partir daí, comparamos os resultados e confirmamos a validade dos resultados que havíamos obtido no Lagis com o LA-ICP-MS”, comemora a pesquisadora.
Enzweiler salienta que a quantidade de material removida no novo procedimento é muito pequena. “A LA-ICP-MS é uma técnica de microanálise, pois o diâmetro do orifício formado pelo laser é de 150 micrômetros. Não há necessidade de realizar um ataque químico e nem de dissolver as amostras, o que leva tempo e representa sempre uma limitação”, diz. De acordo com a docente, os demais métodos não são tão simples e a manipulação das amostras pelos analistas requer treinamento especializado.
Navarro lembra que, como funcionária do Lagis, parte do seu trabalho consiste em desenvolver métodos de análise química de materiais geológicos. Em seu doutorado, a pesquisadora buscou justamente atender necessidades analíticas presentes no laboratório. “Esse é um dos três procedimentos apresentados na tese. Os outros dois foram a determinação de isótopos de lítio em amostras de rochas e água e a caracterização de um zircão como material de referência para o controle de qualidade na datação pelo método urânio/chumbo, também por LA-ICP-MS. Trata-se, portanto, de três desenvolvimentos analíticos de grande interesse para a comunidade acadêmica”, destaca. Crósta afirma, por fim, que, a partir do caminho estabelecido por Navarro, vários laboratórios em muitos outros países poderão aplicar o procedimento publicado. “Esse novo método tem um impacto significativo no reconhecimento e caracterização de meteoritos metálicos, representando um importante avanço científico”, celebra o docente.